quarta-feira, 17 de novembro de 2004

O "Big-Bang" de Cada Um de Nós II

Quando saí do elevador no piso onde a minha mulher estava, dou de caras com o meu vizinho de cama, com ar consternado, desolado. O seu filho já tinha nascido, era a segunda vez que isso acontecia. Tinha ido à casa de banho, e num ai, como na primeira vez, ele que sempre ficara ali ao lado na cabeceira da cama, o seu filho não esperou pelo alívio breve do seu pai.

- E o seu também já nasceu.- diz-me. Que não, respondo confiante, o meu só virá a este mundo lá para as cinco da tarde, e se tudo correr bem.

- Não, o seu já nasceu. - Começo ali um balbuceio que vai da incredibilidade aos olhos rasos, aquoso. Preparei-me tanto eu para isto e ele veio assim sem avisar, não pode ser, estou inconsolável, bato à porta, demoram a abrir,algo se passa, aparece uma enfermeira,

o seu filho já nasceu, é um rapagão com 3,750 kg,

senti-me estranho, porque é que ela me fala assim? , porque é que falamos uns assim com os outros?, neste momento estou-me borrifando para o peso dele, tenho tempo para entrar - e sair - neste vai de roda dos percentis, só quero saber quem sou, que família tenho, se a mãe e ele estão bem, por esta ordem, estão todos bem, já lhe disse, é um rapagão e pesa 3,750 Kg, responde-me a enfermeira.

Nos próximos cinco minutos, até que novamente a porta se abra e eu possa entrar por breves momentos para pegar no meu filho ao colo, fico ali com o meu companheiro de infortúnio.

- A gente não gosta menos deles por isto. É mais uma questão de que quando nos perguntam ficarmos assim um bocado... - Aquela bondade, ali, é enternecedora. Sorrio.

Abre-se a porta. A enfermeira chama-me. Acabei de entrar e ela pela primeira vez olha para o outro pai expectante:
-O que é que está a fazer aí? Para o pé da sua mulher, já! Ela precisa de si.

Um pequeno milagre. A filha dele não tinha nascido. Fora o meu que nascera e ele assumira-o - era a carga que tinha a esse respeito, talvez - como se tivesse sido a sua. Não era. Lá foi contente para dentro da sala como se se tivesse livrado de uma maldição.

A enfermeira traz-me um volume envolto em panos, num cobertor. A minha mulher tinha sido escrupulosa nesse domínio. Havia uns trapinhos para quando ele acordasse, depois outros para vestir enquanto fosse beijado, admirado e presenteado por todos os reis magos deste nosso "Big-Bang". Era nesses primeiros panos que vinha envolto o Menino de Todos os Meus Dias.

Era tão bonito. Aquela pele vermelha, macerada ainda pela força da expulsão, os olhos abertos, já a olhar para mim. Ele já olhava para mim. As mãos de pequenissimo polegar. Não o conseguia ver. Entre mim e ele havia uma cortina literal de água. Eu dizia o hit de todas as frases pimba que podem estar disponíveis a um batráquio, quer dizer, a um homem. Ai meu rico menino, meu rico filho, era a menor delas.

Imagine-se. A parteira e a enfermeira, a dois metros de mim, riam-se, gozando.
-Chora tanto. - Dizia uma.
-Quem, o bébé? - perguntava a outra.
- Não, o pai. - Retorquia a primeira.

3 comentários:

ni disse...

E eu com esse relato tb me junto à cambada dos choramingas... daqueles que estão a sorrir ao mesmo tempo que os olhos se lhes enchem de lágrimas.
Beijinhos e abraços
:o)

Romy Maria disse...

Lá fiquei eu também com uma cortina de água que me dificultou a leitura…
Um relato cheio de amor, muitas felicidades para a tua família.

JPN disse...

obrigado pelo acolhimento.