terça-feira, 17 de maio de 2005

Notas baixas na escola?

Retirado da lista Parto Nosso.
Texto (belíssimo) do Dr. Ricardo Jones, a quem mandamos um abraço pela visão magnífica daquilo que fazemos.
A piada é assim...
Eu costumo usá-la sempre que vou fazer uma conferência e falar das doulas.
Contei essa brincadeira nos Estados Unidos e todos acharam engraçado, e imediatamente entenderam. Algumas pessoas me pediram autorização para publicar em informativos sobre doulas e humanização do nascimento. Pois então...
Eu pergunto para a platéia se alguém tem filhos que sofreram (como eu) com notas baixas em matemática. Algumas respondem que sim... Outras apenas sorriem, tentando entender porque um obstetra está perguntando sobre filhos e notas baixas na escola. Aí eu digo: "Pois uma forma de evitar que os filhos tenham notas baixas em matemática é ter uma doula na hora do parto".
É claro que todo mundo se pergunta qual a relação entre uma coisa e outra. Algumas pessoas fazem uma cara de incredulidade; outras apenas aguardam que venha uma piada. Neste momento é que eu inicio a explicação. Ela é toda fundamentada cientificamente, mas é necessário bom senso (palavrinha da moda) para entender que se trata de uma brincadeira.
É apenas uma construção vertical de fatos, que desconsidera (propositadamente) as múltiplas interferências outras que operam no processo. O objetivo é meramente didático, e serve para reforçar o nosso olhar sobre a assistência oferecida às mulheres durante o trabalho de parto, parto e puerpério. A brincadeira não tem (e nunca teve) interesse em doutrinar baseada em falsas correlações.
Claro fica, para todos os presentes de boa vontade, que a intensão é demonstrar princípios previamente descritos na Teoria do Caos, isto é, "a importância que eventos aparentemente simples podem produzir na dimensão tempo". Bem... As pesquisas mais modernas demonstram uma ligação clara entre apresença de doulas e um sucesso maior na amamentação. Esse é um facto que já foi demonstrado claramente em estudos, que correlacionam positivamente a "presença das doulas com o aumento do sucesso naamamentação seis semanas após o parto" (Parto, Aborto e Puerpério -Assistência Humanizada à Mulher - MS 2001).
A partir deste dado científico eu explico que crianças amamentadas ao seio produzem um tipo completamente diferente de alimentação, que se baseia na postura "activa" de obtenção de alimento. Creio inclusive que essa conduta "activa" pode ser uma constante na vida dessa criança, criando uma série de impregnações psicológicas que a levem a procurar sucesso através de uma postura de enfrentamento e esforço. Afinal, ela já inicia a vida tendo que se esforçar para ter seu alimento. A "ordenha" que a criança faz com sua língua e mandíbula é um movimento complexo e que demanda energia. Contrariamente a isso, a mamadeira (biberon)produz um aleitamento "passivo", porque a língua fica flácidamente colocada no fundo da cavidade oral, apenas se movendo levemente para criar pressão negativa e determinar a obtenção de leite. Crianças amamentadas ao seio tem uma língua mais "musculosa", pois ela é exercitada pelo processo de ordenha.
Observem uma criança sendo amamentada ao seio e percebam como a mandíbula se move como um braço conectado a uma engrenagem, e como a língua do bebê está em contacto directo com a mama. Uma língua mais reforçada tem como função (entre outras) empurrar a arcada dentária para fora, prevenindo o "acavalamento" de dentes. Os dentes acavalados diminuem a amplitude desta arcada, fazendo com que o palato (céu da boca) vá mais para cima a fim de fazer espaço numa cavidade oral mais constricta.
O palato projetado para cima se chama"ogival" (em forma de ogiva, ou cúpula de catedral). Desta forma, ele acaba prejudicando a estrutura que está logo acima, a fossa nasal. Uma fossa nasal apertada produz dificuldades respiratórias. As crianças que têm obstruções importantes das vias aéreas acabam se tornando "respiradores bucais", pois precisam ficar com a boca aberta para poderem conseguir ar, visto que suas narinas fechadas (ou poucopérvias) não são suficientes. Respirar pela boca produz uma série de transtornos, mas as noites são os piores desafios. A garganta fica seca e dolorida pela passagem de ar, e a flacidez da língua (durante o sono REM profundo) pode produzir roncos e paradas respiratórias (as famosas "apnéias").
O sono destas crianças fica tremendamente conturbado, com sonhos ruins, pesadelos, inquietude, distúrbios da respiração, despertar frequente, etc...
Basicamente, o sono não é reparador e não produz descanso físico ou emocional. O que alguns pesquisadores notaram há alguns anos (DraGabriela Dorothy - referência internacional em respirador bucal) é que esse quadro é tremendamente aumentado nas crianças que não foram amamentadas ao seio, e que por essa deficiência acabaram desenvolvendo alterações anatômicas/funcionais no aparelho respiratório superior. Essa criança acaba tendo dificuldades tremendas no sono e no descanso. Clinicamente são crianças com olhos semi-cerrados, abatidas, cansadas e facilmente fatigadas. Tem muita irritabilidade e inquietude, relacionadas com o cansaço crônico a que são submetidas. Tem o nariz hipo-desenvolvido, com asas pequenas e atróficas. Os dentes são acavalados e protusos, pela diminuição do espaço na cavidade oral. Tão importante são as repercussões desta síndrome para o desenvolvimento das crianças que os primeiros estudiosos da "sindrome do respiradorbucal" usavam o "slogan": "Feche a sua boca e salve a sua vida".
Essa criança pode ser tratada por especialistas como psicólogos, pedagogas, psico-pedagogas, pediatras, homeopatas, psicanalistas,etc... quase sempre sem resultado, porque ela sofre de um transtorno anátomo-funcional do aparelho respiratório, que só pode ser melhorado se tratarmos o dano anatômico básico, e conseguirmos fazer essa criança "fechar a boca".
Em homeopatia é o que se chama "obstáculo mecânico à cura".
Pois essa criança, assim comprometida, levanta-se de manhã totalmente fatigada e irritada.Vai para a escola e é incapaz de apreender os conceitos. Chega o dia da prova de matemática, em que a concentração e o raciocínio são fundamentais, e o resultado é previsível.
Nota baixa.
Conceitos ruins.
Depois de algumas notas insatisfatórias as professoras percebem a importância de comunicar aos pais, para que estes possam auxiliar nas dificuldades pedagógicas. A mãe é chamada na escola... A professora explica o problema... A mãe escuta em silêncio e depois...
chora comovida.
A professora caridosa a abraça, e escuta a pobre mãe dizer: "Eu devia ter tido uma doula comigo no dia do meu parto. Eu devia..."
A professora não entende nada. Mas nós, agora, entendemos.
Era essa a historinha. Imagino que as pessoas possam entender que o objetivo era demonstrar a importância do suporte afetivo, emocional, espiritual e físico que as doulas podem produzir durante o nascimento.
E assim como as asas de uma borboleta podem modificar os tufões em lugares distantes, uma simples atitude de amor e fraternidade num momento tão crucial pode ocasionar transformações positivas e maravilhosas na vida de um ser que acaba de chegar.
É o que se tenta demonstrar no filme "Butterfly Effect", mas é o que se pode ver no dia a dia, desde que se tenha "olhos de ver e ouvidos de ouvir".

4 comentários:

AnaBond disse...

Adorei...

(adorei o filme também, por tudo o que ele 'significa)

Luisa Condeço disse...

Olá Ana
Obrigada pela visita! Eu tb gosto imenso de ler as coisas que este médico escreve! Conhece o livro dele "Memórias de uma homem de vidro"? Há uns exemplares na nossa lista de discussão a circular... junte-se a nós na lista ou então diga-me que lhe empresto uma cópia, se lhe apetecer ler, claro. Um beijinho!

AnaBond disse...

Luisa... irei fazer isso, concerteza.

(ter tempo para ler é outra história... agora ando numa de aprender a ensinar o meu filho a dormir uma noite inteira, ihihih)

Anónimo disse...

Maravilhoso!
Eu tive oportunidade de ler opiniões deste obstetra, o Dr. Ricardo H. Jones, na lista de discussão das amigas do parto (que deu mais tarde origem ao site das amigas do parto, uma lista anterior à lista "parto nosso". Sempre achei que devia haver mais médicos como ele, sempre pensei que precisamos disto em Portugal, uma maior consciência da humanização do parto e da importância que isso tem para a vivência de toda a família que espera um bebé. Mas esta relação, que vai tão mais além, aqui tão bem explicada pelo Dr. Ricardo, eu ainda não conhecia. Como me arrependo de não ter tido mais informação e conhecimento na altura em que tive a minha filha, em 2000.